O ego, que se forma a partir da ativação do
complexo de diferenciação da consciência, é um arquétipo muito identificado com
o corpo e com a persona - que é o conjunto de personagens usadas nas várias
relações da vida. Por isso, Jung afirma que o ego é uma espécie de gestor da
consciência que, apesar de não representar a sua totalidade, ele está no centro
e na periferia dela. No seu contraponto, o inconsciente, também existe um
arquétipo gestor que é a sombra, e como ela transita livremente no
inconsciente, é por meio dela que podemos adquirir consciência da existência da
nossa alma - a psique; dos nossos contrapontos sexuais - anima ou animus,
dependendo da estrutura corporal de gênero de cada indivíduo; do self - que é o
arquétipo central e que pode nos remeter ao si - mesmo, ou Self - a totalidade;
além de todo conteúdo reprimido acumulado desde a nossa concepção, que é o
nosso inconsciente pessoal, e de toda história evolutiva da vida senciente,
incluindo a da humanidade, presente no inconsciente coletivo.
Por
isso, quem não está rendido conscientemente ao processo de individuação,
geralmente por estar tomado por algum complexo, que sempre é formado por
núcleos afetivos, necessita começar a perceber sua sombra, para poder
diligentemente se entregar para seu caminho de integração/individuação, adquirindo
sentido e significado existencial. Porém, como nosso ego consciência,
identificado com o corpo e com a persona, geralmente fica paralisado tanto nas
queixas e temáticas repetitivas, quanto nas demandas mais arcaicas e
instintivas do sobreviver, crescer e perpetuar - fome, segurança e sexo; não
conseguimos perceber e nos orientar por meio do nosso processo de individuação
que, geralmente, se manifesta nos sonhos, nos eventos de sincronicidade e até
nos sintomas - que são feridas por onde atravessam os deuses e toda
potencialidade existencial.
Nossa
consciência não tem capacidade infinita, apenas o inconsciente que tem! Seu
espaço é minúsculo, precioso e valioso. Por isso, é crucial decidirmos o que
manter dentro dela e o que jogar fora. Porém, apesar de não precisarmos ficar
paralisados nas dores do passado, nem das injustiças que aconteceram conosco,
ou das coisas que nos causaram tristeza, devido à existência dos complexos, não
é fácil nos libertarmos do automatismo causado por eles. Então, precisamos
aprender com as lições do passado, mas não devemos ficar com elas no presente,
dando espaço para a dor e para um contínuo sofrimento. Porém, só por meio de um
processo de autoconhecimento é que poderemos superar as queixas e os sintomas
físicos ou relacionais. Porque os complexos nos mantêm nas lembranças afetivas
do passado, são autônomos e acabam dominando nossa mente, nos mantendo no
auto-engano e na repetição do automatismo alienante.
Toda
nossa existência, desde a concepção, está pautada pelos afetos. Tudo aquilo que
direta ou indiretamente, física ou energeticamente, consciente ou
inconscientemente nos atinge e produz mudanças, que vão do físico ao
espiritual, passando pelo psíquico, familiar, profissional e social, podemos
chamar de afetos. Muitos afetos são percebidos pela nossa consciência,
atingindo uma ou mais das quatro funções psíquicas estudadas na psicologia
junguiana. Porém, mesmo quando eles surgem subliminarmente, ficando
imperceptíveis para nossa mente consciente, eles produzem efeitos no nosso
pensamento, sentimento, intuição ou sensação, podendo despertar emoções e,
conseqüentemente, os complexos. Sendo que, em muitas vezes, surgem desejos
regressivos, advindos das experiências de segurança primordial vivenciados nos
estágios pré egóicos da relação mãe-bebê. Lembrando que nos primeiros seis
meses de vida, também vivenciamos a experiência da solidão primordial.
Além
disso, devido ao processo associativo que nossa psique opera e toda a formação
de rede existente em nosso cérebro, um afeto pode surgir de um modo, com
intensidade e forma específica, e acabar desencadeando mudanças no ser total.
Ou seja, devido à rede associativa, um cheiro ou uma música, podem despertar
mudanças bioquímicas que interferem no nosso pensamento, sentimento, intuição
ou na percepção. Mudanças completamente injustificáveis para quem está de fora,
como mero observador. Por isso os complexos são autônomos, mantendo-nos
reativos aos afetos, sempre num padrão de emoções repetitivas que, devido à
reprodução constante, acabam nos deixando dependentes até das suas bioquímicas
correspondentes. Só por meio do autoconhecimento é que poderemos sair desse
padrão. Porém, esse processo não segue um caminho linear e sua manifestação
acontece em saltos, geralmente de forma descontínua e assimétrica, do ponto de
vista do mundo manifesto. Mas, para o Self, ele tem continuidade.
Então,
para que o autoconhecimento aconteça, precisamos fomentar crises, situações de
desarranjo e desconstrução do automatismo. Sendo que, na minha experiência
junguiana, os conteúdos metafóricos, os símbolos, imaginações, sonhos e
fantasias são grandes ferramentas para a ampliação da consciência. Como na
metáfora alquímica que passo a descrever, por meio da alegoria da gravura da
montanha dos adeptos, onde a pedra bruta, geralmente cinzenta e carregada de
sofrimentos e dores, por estar queimando por dentro, devido a autonomia dos
complexos e a existências de mágoas e ressentimos, para poder seguir seu
caminho de lapidação evolutiva deve se submeter ao fogo exterior. O fogo que
irá eliminar a água, os sentimentos corrosivos, que dará a pedra a capacidade
de ficar menos suscetível aos afetos e suas respectivas emoções. Esse processo
é contínuo e principia pelo confronto consciente proposto pela fórmula alquímica
denominada V.I.T.R.I.O.L.
Vitriol
é uma palavra advinda do latim, e é formada pela fórmula iniciática que
sintetiza a doutrina alquimista: "Visita
Interiorem Terrae Rectificando Invenies Occultum Lapidem"
e quer dizer: "visite o seu interior para encontrar sua pedra
oculta". Com isso podemos deixar de ser pedras brutas. Porque, devido a
contínua lapidação do autoconhecimento e do domínio da máquina, vamos ficando
mais cristalinos até atingirmos o diamante original - que é a nossa essência!
Ou seja, devemos entrar em contato com a prima matéria, retificando-a por meio
de várias passagens, ritos e conhecimentos até alcançarmos a tintura mãe!
O
autoconhecimento após o confronto da calcinação permite que o ar espalhe o o
material seco, desembocando na sublimação alquímica, que é a melhor maneira
para diminuir os efeitos cáusticos e emotivos dos afetos que provocam
sensações, sentimentos, pensamentos e intuições dramáticas e traumáticas e que
ocupam nosso ego/consciência na forma de complexos, que estão na raiz das
doenças produtoras de todos os tipos e formas de sintomas. A sublimação produz
a ampliação da nossa consciência, dando razão para nossa história, vivencias e
emoções, ajudando na superação da calcinação. Por meio da sublimação poderemos
adquirir entendimentos mais amplos sobre as ocorrências da vida. Só depois de
arejarmos a terra, o calcário cristalizado, é que poderemos regá-la com nossos
sentimentos, a água da diluição ou até solução das queixas. Porque, antes da
sublimação a cal estava viva e com água ela calcinava produzindo mais queimação
e dor.
Depois
do ar e da água, sublimacio e solucio alquímicos, é que vão surgir os insights,
o calor das intuições criativas que produzirá a germinação ou putrefação das
sementes, fermentando possibilidades férteis para o crescimento e superação da
queixa paralisante e cáustica. Neste momento é que revolvemos os conteúdos
dramáticos e ou traumáticos para diminuir a sensibilidade e atribuir novos
significados.
A
partir desta etapa, poderemos preencher nossa consciência com coisas boas,
fazendo a escolha, a separação, destilação das emoções, para ficarmos mais
leves, mais felizes, mais focados. Daí vem a necessidade de atitudes concretas
serem tomadas, coagulando, curando, dando consistência e colorido à tintura da vida,
que é a nossa verdadeira essência. Todas essas sete etapas alquímicas, acima
descritas, estão representadas na gravura da montanha dos adeptos que está
abaixo:
* WALDEMAR MAGALDI FILHO (www.waldemarmagaldi.com). Psicólogo, especialista em Psicologia Junguiana, Psicossomática e Homeopatia. Mestre e doutor em Ciências da Religião. Autor do livro: "Dinheiro, Saúde e Sagrado", coordenador dos cursos de especialização em Psicologia Junguiana, Psicossomática, DAC - Dependências, abusos e compulsões, Arteterapia e Expressões Criativas e Formação Transdisciplinar em Educação e Saúde Espiritual do IJEP em parceria com a FACIS. wmagaldi@gmail.com
FONTE: WALDEMAR MAGALDI
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